sábado, 29 de setembro de 2012

Mais texto ^^

Galera, isso aqui já tá ficando abandonado de novo. Então, como não produzi nada que achasse interessante postar aqui, chupinhei um texto produzido pela minha amiga Karol Lopes que também cursa jornalismo, mas é uma pessoa empenhada, diferente de mim. Na verdade existem muitas outras coisas que a tornam diferente da mim, mas creio que o momento não seja propício para tal explanação... 

Caso alguém goste, ela tem o blog Cinema de Boteco, tanto no wordpress quanto no blogger. Acho que a ideia era desativar um deles, mas os dois estão bem empoeirados. De qualquer forma, tem boas leituras ^^

Dados os devidos créditos, segue o texto:


Dona Dina, 78 anos, viciada em velórios
Quarta-feira, nove horas da manhã e Dona Dina já está em pé, pois é uma data importante. É o dia dela ver os seus meninos. Com calma, veste seu vestido preto, meias finas e uma sapatilha também preta. No banheiro, parada na frente do espelho, ajeita os curtos e finos fios do cabelo extremamente branco para trás, deixando apenas um topetinho na franja. 

Antes de acabar de se aprontar, liga para seu taxista de confiança e dá os últimos retoques no visual. Abre a bolsa e de dentro dela tira uma pequena nécessaire com inúmeras caixas de remédio. Sim, como muitas senhoras da idade dela, Dona Dina tem mania de tomar remédios. Pílulas para dor de cabeça, dor nas pernas, mal-estar e qualquer tipo de enfermidade que pode acometer uma pessoa. Devidamente trajada com seu modelito “pretinho básico”, ela pega o último acessório, sua inseparável bengala, e espera o motorista chegar. 

Osvaldina Brittes Lopes, conhecida como Dona Dina, pois a outra avó de suas netas tem o mesmo nome incomum, é uma elegante viúva de quase oitenta anos. Avó de três meninas, seu hobby preferido pode ser considerado diferente: nas horas vagas ela gosta de ir em enterros de pessoas desconhecidas, em outras palavras, é uma penetra de velórios. Não que ela faça isso todos os dias. Apenas quando vai visitar seus parentes no cemitério. 

“Não acredito que isso seja estranho, afinal de contas, só passo pela capela e rezo”, conta. Além de rezar pelo falecido, ela também apoia a família – mesmo que nunca tenha visto na vida. “Muitas das pessoas que eu amo já morreram. Sei bem como é essa sensação de perda”, revela. 

Chegando ao cemitério o taxista estaciona o carro em frente à capela. “Hoje é dia de movimento”, comenta Dona Dina referindo-se a quantidade de pessoas presentes. Com a habilidade de quem faz isso há um bom tempo, ela se aproxima de uma senhora sentada em um dos bancos e pergunta quem está sendo velado. “O Oswaldo, primo da Carmen.” 

Dona Dina tira um véu preto de dentro da bolsa, entra na capela número três do cemitério e aproxima-se do caixão. Para em frente ao corpo, dá uma olhadela no “morto do dia”, o tal do Oswaldo, cruza as mãos e começa a rezar o Pai Nosso, mas antes mesmo de acabar, emenda com um trecho da Ave Maria. “Sempre me confundo. Acabo juntando as duas orações. O que vale não é a intenção?”. 

Dentro da capela, há uma senhora sentada perto de uma coroa de flores, com um lenço na mão. Olha desconfiada para a mulher que ninguém conhece e que está rezando perto do caixão e cochicha alguma coisa com o senhor que está ao lado. “Aquela deve ser a viúva do Oswaldo”, diz Dona Dina. 

Assim que volta para o lado de fora da capela, ela se senta em um dos bancos e começa a puxar assunto. “Cemitério deveria ter ar-condicionado”, fala tirando da bolsa um leque bordado de flores vermelhas. A senhora sentada ali por perto concorda e as duas começam a conversar. Falam sobre o tempo, mudam para o trânsito, comentam a perda da família e acabam no assunto que é unanimidade entre as senhoras de idade: doença. E Dona Dina é competitiva. Conta que já teve casos de meningite, bronquite, gastrite, artrite e todas as “ites” possíveis. 

Após derrotar a adversária com seu repertório recheado de enfermidades, fala sobre o real motivo da sua ida ao cemitério: “Vim ver os meus meninos”. Cinco anos atrás o único filho de Dona Dina morreu devido a um Acidente Vascular Cerebral (AVC), conhecido popularmente como derrame. Três meses depois, foi a vez de o marido deixá-la. “Acho que meu velho morreu de tristeza.”

Ela se despede de todos que ouviram suas histórias e parte para o lugar onde os homens da família Lopes “descansam em paz”. “É engraçado. Só morre homem na nossa família. Sobramos eu, minha nora, minhas netas e minhas irmãs”, observa.

Ao encontrar o túmulo onde os dois estão enterrados, age como estivesse falando com alguém de carne e osso, segundo ela, em algum lugar eles ainda estão ouvindo. “Olá, garotos. Como vocês estão?” Dona Dina repete a oração embaralhada entre o Pai Nosso e a Ave Maria e conta as novidades da família. “A tia Beta foi ontem fazer os exames no hospital, a Karol cortou o cabelo e a Kami arranjou um emprego.” A senhora conversa com os dois como se ouvisse uma resposta. “Vocês lembram daquele vizinho que vivia brigando por causa do cachorro? Mudou-se. Agora, o prédio está mais calmo.”

Embora a conversa entre mortos e vivos pareca estranha, Dona Dina conta que trata o túmulo como se fosse uma extensão de sua casa. “Trago enfeites no Natal, na páscoa e em todos os aniversários venho cantar parabéns”, revela. “Não é porque eles não estão mais aqui que vou esquecê-los”, desabafa.

E quem pensa que é só com a morte dos outros que ela age com tamanha casualidade, engana-se. Dona Dina paga mensalmente seu plano funerário familiar. O pacote, sem limite de idade, conta com assistência odontológica e um jazigo no cemitério incluso no pacote. A garantia do descanso eterno por apenas R$50 mensais. “Já avisei a família. Quando morrer quero ser enterrada de frente para a rua para poder ver o movimento.”

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